A reforma das reformas

 A Igreja, constituída por inúmeros batizados (alguns dos quais com vocações específicas – matrimónio, sacerdócio, vida monástica, etc.), aparece como um mistério de comunhão, de amor capaz de extirpar do mundo a solidão em que muitos homens estão votados pelo demónio.

Alguns meios de comunicação social, até mesmo da Igreja, têm noticiado que o Papa Francisco lançou a maior reforma da Igreja depois do Concílio Vaticano II. Será isso verdade? O que é e para que serve a sinodalidade? Desde a primeira hora que a vida da Igreja se tem visto envolvida em diferentes processos conciliares e sinodiais. O primeiro concílio deu-se logo depois da morte de Jesus, quando em Jerusalém se reuniram os Apóstolos para falarem de alguns problemas internos da Igreja. Portanto, o processo de consulta não é um processo novo na caminhada da Igreja, porque desde há muito que se realizaram processos de consulta para o discernimento da vontade de Deus para a Igreja de cada tempo.
Os sínodos, não muito diferentes dos concílios, funcionam, também eles, da mesma forma: os apóstolos – os bispos – reúnem-se, em períodos particularmente conturbados, para discernirem em matéria de fé e de costumes e, desta forma, compreenderem a vontade de Deus para aquele tempo.

Este processo de sinodalidade é muitíssimo mais antigo do que o próprio processo democrático das cidades ocidentais. Na realidade, o que muitas vezes parece um ato ou uma decisão solitária dos Papa, exigiu um processo de consulta muitíssimo mais alargado do que possamos à primeira vista se possa pensar.

O que estamos, neste momento, a discutir não é nada de novo na Igreja. O que estamos a discutir é, simplesmente o que decorre da vida da Igreja a partir da sua autocompreensão como mistério de comunhão. A Igreja, constituída por inúmeros batizados (alguns dos quais com vocações específicas – matrimónio, sacerdócio, vida monástica, etc.), aparece como um mistério de comunhão, de amor capaz de extirpar do mundo a solidão em que muitos homens estão votados pelo demónio.

Decorrente deste mistério de comunhão (doutrina que, na realidade, não aparece no Concílio Vaticano II, mas é consequência deste) aparece o amor entre todos os batizados, quer sejam clérigos ou leigos, a partir da mesma dignidade e com diferenciações na sua maneira de agir.

Ora, o que estamos, na realidade, a perceber é que, para vivermos em comunhão, decorrente deste mistério de amor entre os batizados, precisamos de entrar num diálogo profundo, precisamos de nos escutar mutuamente uns aos outros e perceber qual é a vontade de Deus para a Igreja, hoje.
Haverá processos de consulta a todos os batizados? Sim! 
Todos poderão contribuir para o diálogo? Sim!

Não sei, no entanto, se muitos, no final, não irão ficar com amargo de boca ao perceber que se promete muito e acontece pouco, isto é, o fruto de toda a consulta possa ser contrário ao que inicialmente estejamos à espera. Se isto acontecer, se o resultado for contrário às nossas expectativas, não é mau sinal, mas será sinal de que todos os intervenientes entraram num processo de discernimento e chegaram a uma conclusão.

A ansiedade por nos vermos reconhecidos e ouvidos pela Igreja é algo de bom, porque, na realidade, todos somos membros deste corpo e todos somos possuídos pelo mesmo Espírito. Importa, porém, que não entremos num processo de sinodalidade com ideias feitas, isto é, com um programa pré-feito para ser cumprido. A sinodalidade exige que o programa seja Deus a fazê-lo e cada um de nós possa ter um espaço e um lugar onde possa ser ouvido.

Depois, precisamos de saber se acreditamos, ou não, que, apesar dos nossos numerosos pecados, é o Espírito Santo quem guia a Igreja ou se queremos que o Espírito Santo seja guiado pelas ideologias de cada um de nós. 
Às vezes, nem tudo o que parece, é!