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Intervenção do Santo Padre na 18ª Congregação Geral da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos

Gosto de pensar na Igreja como o povo fiel de Deus, santo e pecador, um povo chamado e convocado pelo poder das bem-aventuranças e de Mateus 25.

Jesus, para a sua Igreja, não assumiu nenhum dos esquemas políticos do seu tempo: nem fariseus, nem saduceus, nem essénios, nem zelotas. Nenhuma "corporação fechada"; ele retoma simplesmente a tradição de Israel: "Vós sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus".

Gosto de pensar na Igreja como este povo simples e humilde que caminha na presença do Senhor (o povo fiel de Deus). Este é o sentido religioso do nosso povo fiel. E digo povo fiel para não cair nas muitas abordagens e esquemas ideológicos com que se "reduz" a realidade do povo de Deus. Simplesmente povo fiel, ou também, "o santo povo fiel de Deus" em caminho, santo e pecador. E esta é a Igreja.

Uma das características deste povo fiel é a sua infalibilidade; sim, é infalível in credendo (In credendo falli nequit, diz a LG 9) Infabilitas in credendo. E explico-o assim: "quando quiseres saber o que a Santa Madre Igreja crê, vai ao Magistério, porque é ele que está encarregado de te ensinar, mas quando quiseres saber como a Igreja crê, vai ao povo fiel”.

Vem-me à mente uma imagem: o povo fiel reunido à entrada da Catedral de Éfeso. Diz a história (ou a lenda) que o povo se colocou de ambos os lados do caminho para a Catedral, enquanto os Bispos em procissão entravam, e em coro repetiam: "Mãe de Deus", pedindo à Hierarquia que declarasse dogma aquela verdade que já possuíam como povo de Deus. (Há quem diga que seguravam paus nas mãos e os mostravam aos Bispos). Não sei se é história ou lenda, mas a imagem é válida.

O povo fiel, o santo povo fiel de Deus, tem uma alma, e porque podemos falar da alma de um povo, podemos falar de uma hermenêutica, de um modo de ver a realidade, de uma consciência. O nosso povo fiel tem consciência da sua dignidade, batiza os seus filhos, enterra os seus mortos.

Nós, da Hierarquia, somos provenientes desse povo e recebemos a fé desse povo, geralmente das nossas mães e avós, "da tua mãe e da tua avó", diz Paulo a Timóteo, uma fé transmitida em dialeto feminino, como a Mãe dos Macabeus que falava "em dialeto" aos seus filhos. E aqui gostaria de sublinhar que, entre o povo santo e fiel de Deus, a fé é transmitida em dialeto, e geralmente em dialeto feminino. Não só porque a Igreja é Mãe e são precisamente as mulheres que melhor a refletem (a Igreja é mulher), mas também porque são as mulheres que sabem esperar, que sabem descobrir os recursos da Igreja, do povo fiel, que arriscam para além dos limites, talvez com medo, mas com coragem, e que, no alvorecer de um dia que começa, se aproximam de um túmulo com a intuição (não ainda com a esperança) de que possa haver algo de vida.

A mulher do povo santo e fiel de Deus é um reflexo da Igreja. A Igreja é feminina, é uma esposa, é uma mãe.

Quando os ministros se excedem no seu serviço e maltratam o povo de Deus, desfiguram o rosto da Igreja com atitudes machistas e ditatoriais (basta recordar a intervenção da Ir. Liliana Franco). É doloroso encontrar nalguns cartórios paroquiais a "tabela de preços" dos serviços sacramentais à maneira de um supermercado. Ou a Igreja é o povo fiel de Deus a caminho, santo e pecador, ou acaba por ser uma empresa de diversos serviços. E quando os agentes pastorais seguem este segundo caminho, a Igreja torna-se o supermercado da salvação e os sacerdotes meros empregados de uma multinacional. Esta é a grande derrota a que nos conduz o clericalismo. E isso é muito triste e escandaloso (basta ir às alfaiatarias eclesiásticas de Roma para ver o escândalo dos jovens padres a experimentarem batinas e chapéus ou alvas e rendas).

O clericalismo é um chicote, é um flagelo, é uma forma de mundanismo que contamina e desfigura o rosto da esposa do Senhor; escraviza o povo santo e fiel de Deus.

E o povo de Deus, o povo santo e fiel de Deus, suporta com paciência e humildade o desprezo, os maus tratos e a marginalização do clericalismo institucionalizado. E com que naturalidade se fala dos príncipes da Igreja, ou das promoções episcopais como progressão na carreira! Os horrores do mundo, a mundanidade que maltrata o povo santo e fiel de Deus.

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